O Presidente do Brasil, marechal Hermes da Fonseca, convidou o Rei D. Manuel II para jantar no Palácio de Belém, no dia 3 de outubro de 1910 – foi o último banquete da Monarquia.

Começou às 8 horas da noite. Foram convidadas 40 pessoas. Era um jantar de retribuição protocolar, pois D. Manuel II tinha oferecido um banquete no dia da chegada de Hermes da Fonseca, a 1 de outubro, na sua casa – o Palácio das Necessidades.

Belém tinha uma nova mobília de sala de jantar, no estilo Henrique II, como recomendou o parecer da Academia de Belas Artes, assinado pelos arquitetos José Luís Monteiro e José Alexandre Soares. Construída pelo renomado marceneiro Victor de Alcântara Knotz, era formada por: aparador, trinchantes, mesa de jantar, cadeiras de marroquim (couro), espelho e biombo. O mesmo marceneiro já tinha feito, por exemplo, o mobiliário da Sala das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa; móveis e boiseries para o palacete Lambertini, na avenida da Liberdade.

Devido ao número de comensais e à disposição da mesa – em U –, é mais provável que o banquete se tenha preparado numa outra sala do Palácio de Belém. Talvez a Sala Dourada, contígua à Sala de Jantar, muito maior, com acesso direto à varanda, ainda próxima da copa, da estufa e do «ascensor da louça» que fazia subir os pratos do piso da cozinha para o andar nobre.

O menu do jantar foi elegantemente impresso com as armas reais, ainda que a refeição fosse de retribuição do Presidente do Brasil. O francês era, há muito, a língua habitual no discurso dos sabores da esfera social mais chique. Misturaram-se várias geografias: do Porto à Escócia, de Moscovo à Boémia e a Argenteuil, não faltando, por pertinência e gentileza, invocações do Brasil, na entrada o Crème Brésilienne e na sobremesa os Gateaux S. Paulo.

Na mesa terá sido usado o serviço de Limoges – o nome da cidade francesa que ganhou fama por causa das muitas fábricas de porcelana que tinha na sua área. Este, concretamente, foi produzido pela Havilland & Co., encomendado, parte em 1901, e muito acrescentado em 1903, precisamente para dotar o Palácio de Belém de um serviço qualificado para servir chefes de Estado ou pessoas das relações da família real.

Nos inventários de bens do Palácio de Belém, além do serviço de Limoges, registam-se as peças que acompanhariam a chamada «1.ª mesa»: copos de cristal Baccarat e talheres Christofle.

Hermes da Fonseca, como anfitrião, sentou à sua direita D. Manuel II que, por sua vez, deu a direita ao presidente do Conselho de Ministros, António Teixeira de Sousa. Claro que quem superintendeu na organização do banquete foi o chefe do Protocolo, José Batalha de Freitas. A operacionalização coube aos servidores do Palácio, entre eles certamente Vital Fontes, que ditou as suas memórias algumas décadas mais tarde. Foram recompensados com «cinquenta libras ouro», deixados por Hermes da Fonseca.

O jantar terminou às 10 horas da noite, segundo António Teixeira de Sousa. Ninguém foi ao jardim para acelerar o desfecho do jantar e o café foi servido na varanda.

O Presidente dos Estados Unidos do Brasil vinha da Alemanha, no couraçado «S. Paulo». Tinha sido eleito em março anterior e só viria a tomar posse no dia 15 de novembro seguinte, dia da instauração da República no Brasil e, coincidência, data do aniversário de D. Manuel II, nascido no Palácio de Belém.

Hoje, sabemos que os preparativos da revolução republicana estavam em curso, mas certamente que a chegada do couraçado «S. Paulo» a Lisboa terá propiciado ou pelo menos criado uma atmosfera favorável à vitória do movimento republicano.

O presidente do Conselho de Ministros, António Teixeira de Sousa, escreveu na sua obra Para a História da Revolução: «Saí para o Paço de Belém, mais para prevenir o Rei, os ministros e os comandantes, do que para jantar. No caminho, obtive a certeza de que nessa noite se faria a revolução.»

À saída de D. Manuel II, o hino real tocou pela última vez.

O Presidente Hermes da Fonseca dormiu nessa noite no Palácio de Belém e ainda almoçou no dia seguinte, retirando-se para o «S. Paulo», fundeado no Tejo. Nele permaneceu vários dias, assistindo à instauração da República.

AT

Consultámos:

[António] Teixeira de Sousa, Para a História da Revolução. Coimbra: Liv. Ed. Moura Marques & Paraisos, 1912, 2 volumes.

[António] Teixeira de Sousa, A força Pública na Revolução: Réplica ao ex-Coronel Albuquerque. Coimbra: Ed. Moura Marques, 1913.

Maria Antónia Pinto de Matos, «A porcelana no Palácio de Belém» in Ourivesaria e porcelana do Palácio de Belém, coord. geral Diogo Gaspar. Lisboa: Museu da Presidência da República, 2005, 83-154.

Vital Fontes; Rogério García Pérez, Vital Fontes – Servidor de Reis e de Presidentes. Lisboa: Imprensa Nacional/Museu da Presidência da República, 2018.

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D. Manuel II e Hermes da Fonseca no couraçado «S. Paulo». Pouco depois da chegada a Lisboa: ao centro, o Presidente Hermes da Fonseca; à sua direita, o capitão-tenente Américo Pimentel, ajudante de ordens; à esquerda, José Costa Mota, diplomata do Brasil acreditado em Portugal. Serviço de jantar de Limoges fabricado pela casa Havilland & Co. Hoje, pode ser apreciado no Palácio da Cidadela de Cascais. «Menu du dîner», isto é, menu do jantar, à francesa - o último jantar da Monarquia, no Palácio de Belém. Cremeiras do serviço de Limoges fabricado pela casa Havilland & Co. Nas cremeiras serviam-se diferentes géneros de leite, natas, cremes. António Teixeira de Sousa, presidente do Conselho de Ministros do último Governo da Monarquia. Na mesa do banquete, em Belém, ficou sentado à direita do Rei. O Palácio de Belém com o pavilhão real içado - a  bandeira que assinalava a presença do Rei. Hoje, o pavilhão presidencial tem a mesma função. Imagem gráfica do número 43 da rubrica mpr+. D. Manuel II com o uniforme de generalíssimo. No jantar, o Rei usou este uniforme e o Presidente do Brasil o uniforme de marechal. Obra escrita pelo presidente do Conselho de Ministros, António Teixeira de Sousa, procurando ilibar-se de responsabilidades da queda da Monarquia. Contém várias referências ao último banquete, no Palácio de Belém. Saiu em dois volumes e foi publicada em 1912.