Nos finais do século XIX, quem se aproximasse do Palácio da Cidadela de Cascais estaria longe de imaginar que algumas das janelas do 2.º andar escondiam um centro de ciências do mar — o laboratório, como lhe chamou o seu mentor, o Rei D. Carlos.

A influência do pai, um apaixonado pelo mar, mas também do amigo, príncipe Alberto I do Mónaco — com quem trocava correspondência —, as ficções dos romances de Júlio Verne e o conhecimento das pesquisas científicas realizadas pelos navios «HMS Challenger» e «Travailleur», levaram D. Carlos, já Rei, a estudar a Biologia Marinha e a Oceanografia.

A partir de 1896 e até 1907, o monarca empreendeu 12 campanhas pela costa portuguesa a bordo do iate «Amélia». Na verdade, teve quatro, todos com o nome da Rainha. Adquiriu o primeiro iate, a que se seguiram, num crescendo de dimensão e meios técnicos: «Amélia II, III e IV». Com a orientação de Alberto Girard, cientista do então chamado Museu Nacional de Lisboa — atual Museu Nacional de História Natural e da Ciência —, D. Carlos procurou aprofundar o conhecimento do mundo marinho: a flora, a fauna, as correntes, a topografia dos fundos do mar.

No diário da sua primeira campanha, a bordo do iate «Amélia», o Rei escreveu:

«A instalação de (…) aparelhos a bordo apresentou grandes dificuldades devidas (…) ao pouco espaço disponível, e inibiu-nos de montar a bordo um laboratório completo para a preparação dos exemplares recolhidos. Resolvendo, porém, tomar como centro de operações a baía de Cascais, montámos na cidadela um laboratório bastante completo com vários aquários de água corrente.»

O laboratório ocupava as duas salas do topo norte do Palácio da Cidadela, uma azul, outra rosa, ambas com requintados estuques, hoje totalmente restauradas. O aparato dos espécimes expostos, conservados em frascos de vidro, com álcool, ou naturalizados — reconstituídos como se estivessem vivos —, deram às salas uma atmosfera de museu, como as identifica uma planta antiga do Palácio.

Em Lisboa, no Palácio das Necessidades, o Rei dispunha de mais espaço; foi aqui que conservou grande parte da coleção. Ofereceu espécimes ao Museu Nacional de História Natural de Paris, ao Museu Britânico de Londres, ao Museu Oceanográfico do Mónaco, ainda hoje em exposição. Mas a maior parte da sua coleção encontra-se no Aquário Vasco da Gama, no Dafundo.

Ao cientista, com mérito reconhecido internacionalmente, D. Carlos juntou a faceta de governante, de homem preocupado com o desenvolvimento económico de Portugal, tendo presente que o bom conhecimento do mar permitiria uma atividade piscatória mais sustentada.

Quem diria que umas poucas janelas do Palácio da Cidadela contam a memória do primeiro laboratório de Oceanografia português!

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O Rei D. Carlos a bordo do iate «Amélia IV». Uma das salas do Laboratório de D. Carlos restaurada na cor original. Espécimes conservados em álcool, capturados nas campanhas oceanográficas realizadas por D. Carlos, entre 1896 e 1907. Capa do diário escrito e desenhado por D. Carlos durante a segunda campanha oceanográfica, realizada em maio de 1897, a bordo do primeiro iate «Amélia». Publicada em: D. Carlos de Bragança; prefácio Mário Ruivo, Maria de Lourdes Bartholo — Diário náutico do yatch «Amélia»: campanha oceanográfica realizada em 1897. Lisboa: Oficinas Gráficas do Instituto Hidrográfico, 1978. Além de navio de investigação oceanográfica, o iate «Amélia IV» estava adaptado para servir como iate real e como navio de guerra para a Marinha Portuguesa. Comportava uma guarnição de 74 homens e 6 pequenas embarcações: 1 movida a vapor, 1 a eletricidade e 4 a remos. Construído na Escócia, chegou a Cascais no dia 2 de novembro de 1901. Peixe-de-farol (Himantolophus groenlandicus) — espécime pescado à linha em 1906, na costa de Cascais, pertencendo à coleção do Rei D. Carlos. Publicada em: Jorge Colaço — S. M. El-Rei D. Carlos I e a sua obra artistica e scientifica. Lisboa: António Palhares, 1908.